Presidente do CREMERJ critica as terceirizações
09/08/2011
Em entrevista à Folha Dirigida, a presidente do Conselho, Márcia Rosa de Araujo analisa a situação da rede pública de saúde do Rio de Janeiro e defende a realização de concursos públicos com salários dignos para os médicos.
Presidente do CREMERJ critica as terceirizações
Carolina Radu
Recém-empossada no cargo de presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), Márcia Rosa de Araujo, é uma implacável defensora de concursos públicos. Para ela, a Saúde vive uma defasagem generalizada tanto de médicos quanto de enfermeiros e demais profissionais necessários para o bom desempenho do serviço.
Para a presidente, que é especialista em Cirurgia Plástica e membro titular da Academia de Medicina do Rio de Janeiro, um dos principais problemas vividos, hoje, na rede pública é a saída dos antigos médicos concursados. “Há uma política generalizada de não se fazer concurso público, e isso está levando os efetivos, que são pessoas mais velhas, a se tornarem cada vez mais raros no setor público, porque eles estão se aposentando. Com essas aposentadorias, os governos estão optando em contratar médicos temporários”, explica.
Sobre a implantação das Organizações Sociais (OSs), Márcia Rosa é totalmente contrária. “Nós entramos com uma ação, que foi ganha, impedindo a abertura dos envelopes de licitação para essas OSs entrarem nos hospitais do município do Rio. As OSs são os staff, entregando para mão de terceiros uma gestão que deve ser sua.”
Segundo ela, o problema é tamanho, que chega a ser difícil precisar qual lugar ou carreira com maior déficit. “Isso está acontecendo no Rio de Janeiro e em todo o país. O governo está aplicando uma lei de mercado para dentro da Saúde pública. Essa lei de mercado está passando a ser a lei da Saúde. Isso é extremamente prejudicial para a população, porque a Saúde é um bem permanente. O mesmo estão fazendo com a Educação. O Brasil é o quinto país do mundo onde mais se investe. Nós estamos tendo uma enorme projeção, mas não estamos criando a base para acompanhar isso.”
Folha Dirigida - a senhora poderia traçar um panorama de como está a situação das redes municipal e estadual de saúde?
Márcia Rosa de Araujo - Acho que nós podemos considerar a rede federal também. Há uma política generalizada de não se fazer concurso público, e isso está levando os efetivos, que são pessoas mais velhas, a se tornarem cada vez mais raros no setor público, porque eles estão se aposentando. Com essas aposentadorias, os governos estão optando em contratar médicos temporários, com as mais diferentes formas de contrato.
Quando se faz concurso público, a pessoa que entra passou por uma seleção democrática e entrou por mérito, ao contrário do que vem acontecendo, em que pessoas podem ser indicadas e não sabemos qual o critério usado nisso. É isso que nos preocupa.
Outra questão é que a falta de concurso proporciona, também, que o médico não se fixe na rede. Como ele é temporário, ele pode ser dispensado a qualquer momento ou, mesmo que ele fique até o fim do contrato, ele vai sair de qualquer forma. Dessa maneira, esse médico não vai ter segurança nem vai querer investir na carreira, porque ele não tem compromisso com aquele lugar. Se, em algum momento, ele receber uma proposta melhor, ele vai abandoná-lo. Além disso, não vai haver aquela passagem de experiência de um médico para outro.
A senhora falou da necessidade de concurso. Onde há mais carência: na rede municipal, estadual ou federal?
É difícil dizer onde está pior, mas, das emergências, onde está tendo mais necessidade é no estado. Fora isso, todos os níveis de governo estão tendo uma saída expressiva de médicos. Isso está generalizado. Está acontecendo no Rio de Janeiro e em todo o país. O governo está aplicando uma lei de mercado para dentro da Saúde pública. Essa lei de mercado está passando a ser a lei da Saúde. Isso é extremamente prejudicial para a população, porque a Saúde é um bem permanente. O mesmo estão fazendo com a Educação. O Brasil é o quinto país do mundo onde mais se investe. Nós estamos tendo uma enorme projeção, mas não estamos criando a base para acompanhar isso.
O maior déficit é exatamente na carreira de médico?
O médico é a ponta de uma cadeia. Ele é o coordenador da equipe de Saúde. Eu tenho certeza que há outras áreas também carentes de profissionais.
Quais as especialidades médicas com maior carência?
Clínica médica, Pediatria, Reumatologia, Cardiologia, Anatomopatologia, que são aqueles que fazem as necropsias de quem morreu dentro dos hospitais.
Em relação ao município, a prefeitura tenta implementar as OSs para atuar nos hospitais de emergência, o que já está sendo questionado na Justiça pelos sindicatos dos enfermeiros e dos médicos, e pelo vereador Paulo Pinheiro. Como a senhora avalia essa proposta da prefeitura?
Todo mundo no CREMERJ é contra. A lei que foi aprovada na Câmara liberou as OSs para as unidades novas, mas a prefeitura está colocando o pessoal de OS nas emergências também. Nós entramos com uma ação, que foi ganha, impedindo a abertura dos envelopes de licitação para essas OSs entrarem nos hospitais do município do Rio. As OSs são os staff, entregando para mão de terceiros uma gestão que deve ser sua.
Quais hospitais têm a maior carência de médicos?
Carência de médicos todos têm. Ortopedista, clínicos, pediatras, quase tudo. É um grande mosaico. Não dá para eu dizer qual precisa mais, porque é uma carência generalizada. Nós estamos chegando em uma situação em que se daqui a cinco anos se mantiver isso, vai haver um colapso.
A qualidade do serviço que vai ser apresentado será questionada. Nós estamos correndo o risco de que em alguns anos algumas residências médicas sejam fechadas, porque não estão cumprindo mais o que a determina a lei que as criou. Não tem staff suficiente para o número de leitos existentes.
O atual governo do estado fez uma série de concursos importantes, mas nenhum para a área de saúde. Como avalia essa postura?
Eu não sei se estão ocorrendo concursos para várias áreas, mas essa atitude da presidente Dilma Rousseff de suspender os concursos, eu acho lamentável. O governo federal está lançando vários programas de detecção do câncer de mama, por exemplo, e quantos mastologistas têm? Para onde a pessoa vai se dirigir para saber se tem a doença ou não? Não é para o Instituto Nacional de Câncer (Inca),porque ele não dá vazão para tudo isso e só trata alguns tipos da doença. Além disso, a pessoa tem que ir referenciada. Quer dizer, ela tem que ter passado por outra unidade para ter a referência para o Inca. Ele não é um hospital de portas abertas.
Hoje, no setor privado, as pessoas têm acesso para detectar nódulos que são curáveis. São tão pequenos, que basta retirar o nódulo e pronto, não precisa fazer nem quimioterapia nem radioterapia. Então, o que está acontecendo é que o governo está condenando a população a ter doenças que são incuráveis. Eu acho que o concurso público, o fortalecimento da carreira médica e da formação e da residência são fundamentais para daqui a cinco anos nós termos uma Saúde pública de qualidade.
Na sua opinião, está sendo priorizada a expansão das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em detrimento das unidades hospitalares?
A UPA tem sua função. Ela faz o atendimento pré-hospitalar. A pessoa vai para lá quando está com uma dor de cabeça, passando mal de algo que comeu, que cortou o dedo, etc. Vai para UPA numa urgência para não lotar os hospitais de emergências, que são onde chegam o baleado; o acidentado de moto, que tem aumentado muito; o infartado; enfim, coisas muito mais graves A UPA é o intermediário para não aumentar as filas dos hospitais de emergência.
Logo que assumiu o governo do Rio de Janeiro, em 2007, o governador Sérgio Cabral visitou hospitais e declarou à imprensa que estava acontecendo um genocídio na rede estadual de saúde. Alguma coisa foi feita efetivamente nesse período para mudar essa situação?
Eu vejo mudança sim, por exemplo, na estrutura dos hospitais. Muitos deles estão com mobiliários novos, com Centros de Tratamento Intensivo (CTI) instalados e neonatais. Está havendo um grande investimento em infraestrutura, mas não está acontecendo a regularização dos recursos humanos. Temos algumas unidades com cinco tipos de vínculos empregatícios temporários diferentes.
Qual o principal problema da saúde e como, possivelmente, solucioná-lo?
Quanto à solução, é difícil porque eu não sou gestora, mas acho que a solução é política. Ou se investe na Saúde e na Educação, ou nós vamos ter problemas no desenvolvimento do país. Pessoas doentes não produzem, assim como as pessoas que estão tendo a educação prejudicada não vão servir para o futuro do país.
Ao mesmo tempo em que convivemos com o aumento da longevidade das pessoas, nós também convivemos com doenças do século passado: dengue, leptospirose, meningite, tuberculose. Tem que haver um casamento Saúde-Educação. Se não tiver as duas coisas assumidas pelo Estado, não vamos ter um país com desenvolvimento pleno.
A senhora acha que o estado está largando de mão a saúde?
Não sei se é exatamente largando de mão. Acho que está vigorando ainda no nosso estado uma precarização de necessidades básicas. Isso já aconteceu nos Estados Unidos e percebeu-se que não era esse o caminho. O Obama ganhou a eleição, justamente, defendendo a melhoria da saúde pública de lá. Os Estados Unidos e a Turquia são os únicos países que só têm saúde privada. Os nossos governantes estão vendo o filme passar lá fora e estão usando, aqui, os mesmos ingredientes, tendo essa oportunidade de crescer e jogando fora, cometendo os mesmos erros que vão, provavelmente, nos levar à falência.